sábado, 22 de janeiro de 2022

Natal em São Simão de Litém

O Natal é uma época de paz e de concórdia: é algo que a minha mãe me ensinou logo desde pequeno. É a altura em que todas os vizinhos desavindos fazem tréguas, baixam as armas e confraternizam juntos à lareira. É enternecedor ver a emoção com que se abraçam, riem e partilham o que têm. Neste programa iremos ouvir testemunhos de celebridades que se reveem nesta visão galvanizadora do Natal. São personalidades que conhecem da televisão, da tradição, do cinema e dos círculos sociais mais destacados. Ouçamo-los com atenção, pois se estes não são os nossos heróis e modelos de conduta, então quem o é?

Rumpelstilskin: Boas vésperas de bodo, pessoal. Ai, isto vai ser enfardar até fartar. Devorar até arrotar. Encher até verter! Ninguém me verá de prato vazio ou de garganta seca. Isso não, amanhã, não! Os festejantes agrupar-se-ão em filas para arrecadar comida nos pratos, dançarão na sala ao som da vitrola e tentarão em vão na cozinha pronunciar o meu nome. Eu sou Rumpelstilskin, o único português que não tem cartão de cidadão ou número de segurança social. Amo o meu semelhante sem olhar à raça, credo ou género. Amo-o ainda mais se me for servido no prato, regado a vinho tinto e salpicado com orégãos.

Scrooge: Cá para nós que ninguém nos ouve, admito que o Natal é uma festa especial, atrevo-me até a dizer que é fenomenal, muito melhor do que o Carnaval. Dantes, não lhe ligava nenhuma. Chegava mesmo a  espumar de raiva sempre que uma criança me cantava à porta um tema de Natal. Agora, não quero outra coisa. É Natal para cá, Natal para lá, Natal colorido, Natal a preto e branco, Natal com azevinho, Natal sem toucinho...

Duende Verde: Olha o Natal, para mim! Assenta em mim como uma luva. Quem me vê na rua, acena e exclama “Feliz, Duend... Perdão, feliz Natal!”, quando uma velhinha talha o peru comenta logo de seguida “Quem dera que estivesse aqui o duendinho cor de alface para provar deste quinhão! Ele, sim, ele é que sabe o que é bom!”. Nasci no dia de Natal e serei enterrado em dia de Natal. Apenas no Natal me revejo, e nada mais desejo!

Fada Sininho: Já gostei mais do Natal do que gosto agora! Antigamente, nesta época, havia meia dúzia de fadas nas ruas, agora são aos magotes e mal se consegue voar em hora de ponta! Querem ver-me nessa noite, procurem-me em casa, pois esta amiga não a veem em confusões. Isso é que não! No meu tempo, os pozinhos de pirlimpimpim eram um exclusivo das fadas bem nascidas. Agora qualquer galdéria pode polvilhar-se e exibir-se nos ares como se fosse a rainha do pedaço.

Pedro Coelho: Aprecio o Natal, não digo que não, mas prefiro a Páscoa. Na Páscoa, deliro com o jogo da caça ao ovo, comovo-me sempre que vejo vídeos de coelhinhos fofinhos a rolarem ovos nos jardins floridos... Penso que já vi todos os vídeos do género. Se me escapou algum, peço desculpa. De filmes com renas não gosto tanto. Faz-me impressão ver os pobres bichinho a equilibrarem aquelas armações pesadíssimas em cima das cabecinhas tenrinhas.

Bruxa Má: É no Natal que reúno as minhas comadres e jogamos todas uma suecada pela noite dentro. Quando éramos mais tolas, fumávamos charutos uns atrás dos outros até à última cartada e tínhamos que pôr a arejar a sala para evacuar o fumo acumulado mas agora nenhuma de nós que saber de tabaco. Apercebêmo-nos que o tabaco alcatroava os pulmões e tomámos a decisão de não voltar a consumi-lo. Há cento e vinte anos que esta senhora que aqui vê não põe um cigarro na boca!

Arsénio Lobo: O Natal favorece a minha bolsa. É no dia da consoada que eu roubo mais fios, tiaras, pulseiras e anéis. Isto porque toda a gente se apruma e enfeita com joias raras e preciosas. Enquanto os festejantes fazem aquilo que melhor sabem fazer, festejar, eu palmo joias a granel. O que faço não é propriamente roubar. Chamar-lhe-ia... aliviar as pobres criaturas de pesos desnecessários. E se formos a ver bem, não há pessoa que mereça mais amealhar esses modestos tesouros do que eu. Deus enganou-se na distribuição dos seus bens e compete-me a mim reparar o erro. O que me é devido, vem parar-me ao bolso, e pronto.

Carlinhos: A um mês de se celebrar o Natal, toda a gente apinha-se nas lojas para comprar os chocolates da minha fábrica. Ganho balúrdios com a gulodice dos meus clientes, mas não guardo o dinheiro debaixo do colchão. Nem o invisto em negócios para os quais só eu veja proveito. Não, não! O que faço com o dinheiro é digno de qualquer bom cristão: financio instituições médicas que combatem as diabetes. Digam-me lá se não sou boa pessoa!

Boneco de Neve: O Natal, para mim, será o início de uma vida nova. A partir do dia vinte e quatro, no último mês do corrente ano, farei dieta e irei perder vinte litros de água em três meses. Acabaram-se os ovos moles, os batidos e os molhos de cebolada. Irei expor ao sol as partes mais cheinhas do meu corpo de modo a derreter gorduras. Farei ginástica acrobática e natação olímpica. Farei tudo o que tiver ao meu alcance para conseguir o corpo perfeito. O Natal será o momento em que a minha vida muda e nasce um novo boneco de neve.

Januário: Para trás de mim fica o Natal e para a frente estende-se o mês de Janeiro Lá ao fundo, vislumbro o Carnaval e depois a Páscoa. Mais além... não vejo mais nada. Sabe-se lá o que haverá a umas centenas de léguas daqui? E se não conseguimos ver nada para além do horizonte, então ponhamos a nossa atenção no que está mais próximo e que é o Natal. Celebremos aquela que é a festa mais autêntica que existe no calendário com serenidade, paz e amizade. Adieu!       


 
 

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